Caso 402 Enunciado Paciente do sexo feminino, 6 anos, admitida por tosse com secreção purulenta há 2 semanas, febre, hiporexia, perda de peso e declínio de 11% do VEF1 (volume expiratório forçado no 1º segundo). Ao exame: FR: 30 irpm, SpO2: 96% em ar ambiente e crepitações grosseiras bilaterais à ausculta. Diagnóstico prévio de fibrose cística e queixa de tosse crônica. Colonizada cronicamente por P. aeruginosa - cultura positiva há 3 semanas. Solicitadas radiografias e tomografia computadorizada de alta resolução (TCAR) do tórax. Imagem 1: Radiografia do tórax, incidência posteroanterior (PA).Imagem 2: Radiografia do tórax, em perfil.Imagem 3: Tomografia computadorizada de alta resolução (TCAR) do tórax, corte axial, nível supracarinal, sem injeção intravenosa de meio de contraste, janela de pulmão.Imagem 4: Tomografia computadorizada de alta resolução (TCAR) do tórax, corte axial, nível infracarinal, sem injeção intravenosa de meio de contraste, janela de pulmão. Pergunta:Considerando o caso clínico e as imagens apresentadas, qual a conduta mais adequada? Internação e iniciar antibioticoterapia intravenosa com oxacilina ou vancomicina. Internação, colher amostra de escarro para cultura e iniciar antibioticoterapia intravenosa com 2 ou mais antibióticos, sendo pelo menos um beta-lactâmico e um aminoglicosídeo. Colher amostra de escarro para cultura e iniciar antibioticoterapia oral com ciprofloxacina. Internação, colher amostra de escarro para cultura e iniciar antibioticoterapia intravenosa com clindamicina. Pergunta: Considerando o caso clínico e as imagens apresentadas, qual a conduta mais adequada? Respostas a) Internação e iniciar antibioticoterapia intravenosa com oxacilina ou vancomicina.b) Internação, colher amostra de escarro para cultura e iniciar antibioticoterapia intravenosa com 2 ou mais antibióticos, sendo pelo menos um beta-lactâmico e um aminoglicosídeo.c) Colher amostra de escarro para cultura e iniciar antibioticoterapia oral com ciprofloxacina.d) Internação, colher amostra de escarro para cultura e iniciar antibioticoterapia intravenosa com clindamicina.Análise da Imagem Imagem 1: Radiografia do tórax, incidência PA. Acentuação da trama broncovascular condicionada pelo espessamento de paredes brônquicas (em verde). Dilatação de alguns brônquios (bronquiectasias) – setas vermelhas. Rebaixamento das cúpulas frênicas (pontilhado rosa), indicativo de hiperinsuflação pulmonar. Imagem 2: Radiografia do tórax, em perfil, mostrando rebaixamento das cúpulas frênicas (pontilhado rosa). Para uma avaliação objetiva, traça-se uma linha reta (linha azul) conectando os ângulos esternofrênico e costofrênico posterior. Uma distância (seta amarela) entre a linha e o diafragma ≥ 1,5 cm é considerada patológica, indicando hiperinsuflação pulmonar, neste caso também evidenciada pelo aumento do espaço retroesternal. Formações anelares (setas vermelhas) sugerem presença concomitante de bronquiectasias císticas. Opacidades pulmonares contíguas (seta verde) são compatíveis com impactações mucoides em bronquiectasias. Imagem 3: TCAR do tórax, corte axial, nível supracarinal, sem injeção intravenosa de meio de contraste, janela de pulmão. Padrão de atenuação em mosaico condicionada pela presença de áreas de aprisionamento aéreo (menor densidade em relação ao restante do parênquima pulmonar) - contorno em azul. Presença concomitante de brônquios dilatados (bronquiectasias) e com parede espessada (em amarelo), com diâmetro maior que da artéria adjacente (em vermelho) - sinal do anel de sinete. Imagem 4: TCAR do tórax, corte axial, nível infracarinal, sem injeção intravenosa de meio de contraste, janela de pulmão. Presença de bronquiectasias cilíndricas - opacidades lineares paralelas - “trilhos de trem” (círculos vermelhos). Brônquios dilatados e com parede espessada, cortados transversalmente, na periferia dos pulmões (setas azuis). Diagnóstico A fibrose cística (FC) favorece a infecção crônica das vias aéreas, em geral associada a bronquiectasias e exacerbações. Aumento da tosse, mudança da quantidade ou aparência do escarro, febre, dispneia, hiporexia e declínio na função pulmonar caracterizam a exacerbação do quadro pulmonar da FC. A via de tratamento (oral ou intravenosa) depende da gravidade do quadro. Piora acentuada de sintomas prévios ou da função pulmonar (declínio > 10% do VEF1), hipoxemia e desconforto respiratório significativos indicam exacerbação grave e necessidade de antibioticoterapia intravenosa. A escolha do antibiótico depende dos patógenos isolados em culturas prévias de secreção respiratória do paciente. Em pacientes colonizados cronicamente por P. aeruginosa (Tabela 1), recomenda-se o uso de dois ou mais antibióticos, pelo menos um beta-lactâmico com ação antipseudomonas e um aminoglicosídeo (Tabela 2). Preconiza-se a coleta de amostras de escarro ou de aspirado traqueal para realização de cultura nas exacerbações, nas consultas (com intervalo máximo de 3 meses) e após o tratamento, para confirmar a erradicação do microrganismo. Culturas feitas na exacerbação são usadas para guiar antibioticoterapia apenas se a resposta clínica for inadequada. Antibióticos por via oral ficam reservados para os casos de exacerbação leve. Tabela 1. Critério de Leeds para a classificação da infecção respiratória por Pseudomonas aeruginosa em pacientes com fibrose cística. Adaptado de Lee et al. Colonização Critério de Leeds Crônica Pacientes com > 50% das culturas positivas para P. aeruginosa nos últimos 12 meses Intermitente Pacientes com ≤ 50% das culturas positivas para P. aeruginosa nos últimos 12 meses Livre Pacientes com cultura positiva no passado para P. aeruginosa, mas que todas culturas foram negativas nos últimos 12 meses Sem colonização Paciente que nunca apresentou cultura positiva para P. aeruginosa Fonte: Adaptado de Diretrizes brasileiras de diagnóstico e tratamento da fibrose cística, Jornal Brasileiro de Pneumologia (2017). Tabela 2. Antimicrobianos mais usados no tratamento das exacerbações agudas na fibrose cística. Fonte: Diretrizes brasileiras de diagnóstico e tratamento da fibrose cística, Jornal Brasileiro de Pneumologia (2017). Discussão do Caso A fibrose cística (FC), também conhecida como Mucoviscidose, é uma doença autossômica recessiva, limitante da vida, provocada por mutações no gene CFTR (cystic fibrosis transmembrane regulator). Tais mutações causam disfunção no transporte de cloreto e de sódio em glândulas exócrinas, resultando em secreções viscosas e espessadas. A FC é multissistêmica e afeta principalmente as vias aéreas, glândulas sudoríparas, sistema reprodutor e trato gastrointestinal. A doença pulmonar progressiva – com alterações estruturais, radiológicas e funcionais – é a principal causa de morbimortalidade. Para mais informações sobre a fisiopatologia e o quadro clínico da doença, acesse os casos 227 e 146. O manejo da doença pulmonar objetiva redução das secreções do trato respiratório e controle infeccioso, evitando, assim, exacerbações. Para isso, faz-se nebulização com substâncias que melhoram o clearance e a função pulmonar – Dornase Alfa e soluções salinas hipertônicas – e fisioterapia respiratória, diariamente. Antibióticos para infecção crônica das vias aéreas e atividade física regular para melhores desfechos funcionais e posturais são recomendados. A vacinação contra o vírus Influenza e contra o pneumococo auxilia na prevenção de infecções. Os moduladores do CFTR, que atuam melhorando a produção e/ou a função dessa proteína, são uma nova alternativa de tratamento pouco disponível no Brasil devido ao seu alto custo e por ter funcionalidade restrita àqueles pacientes com variantes genotípicas que respondem à droga. A colonização bacteriana crônica das vias aéreas é comum e a prevalência de cada tipo bacteriano varia com a idade (Gráfico 1). Uma vez que se estabelecem nas vias aéreas, esses microrganismos tendem a persistir e resistir por anos, apesar das tentativas de erradicação. O uso contínuo da azitromicina (3x/semana) é indicado nos pacientes com idade maior que 5 anos que apresentam colonização crônica por P. aeruginosa ou histórico de exacerbações frequentes. A tobramicina inalatória em ciclos alternados de 28 dias pode ser usada naqueles com idade maior que 6 anos e colonização crônica por P. aeruginosa, independentemente da gravidade da doença. Uso crônico de corticosteroides orais ou de ibuprofeno não é recomendado. Corticosteroides e broncodilatadores inalatórios demonstram benefício apenas em pacientes com hiper-responsividade brônquica ou asma associada. Gráfico 1. Prevalência das bactérias identificadas em secreções respiratórias de pacientes com fibrose cística, por faixa etária. Legenda: P. aeruginosa: Pseudomonas aeruginosa; H. influenza: Haemophilus influenzae; B. cepacia complex: Burkholderia cepacia complex; S. aureus: Staphylococcus aureus; MRSA: methicillin-resistant S. aureus (S. aureus resistente à meticilina); Achromobacter: Achromobacter xylosoxidans; S. maltophilia: Stenotrophomonas maltophilia; MDR-PA: multidrug-resistant P. aeruginosa (P. aeruginosa multirresistente). [Fonte: UpToDate.com, adaptado] Aspectos Relevantes A colonização bacteriana crônica das vias aéreas acontece na maioria dos pacientes com fibrose cística e está associada a bronquiectasias e exacerbações da doença; Colonização crônica por P. aeruginosa ou exacerbações frequentes indicam o uso de antibioticoterapia profilática; As exacerbações se manifestam com aumento da tosse, mudança da quantidade ou da aparência do escarro, febre, dispneia, hiporexia e declínio na função pulmonar; A via de tratamento e a escolha do antibiótico nas exacerbações dependem, respectivamente, da gravidade do episódio e dos patógenos isolados em culturas prévias de secreção respiratória do paciente; Em todas as exacerbações, deve ser coletada amostra de escarro ou de aspirado traqueal para realização de cultura. Referências Athanazio RA, et al. Diretrizes brasileiras de diagnóstico e tratamento da fibrose cística. Jornal Brasileiro de Pneumologia. 2017;43(3):219-245. Fakhoury K, Kanu A. Clinical manifestations and evaluation of bronchiectasis in children [Internet]. Uptodate.com. 2020 [cited 13 March 2020]. Available from: https://www.uptodate.com/contents/clinical-manifestations-and-evaluation-of-bronchiectasis-in-children Katkin JP. Cystic fibrosis: Clinical manifestations and diagnosis [Internet]. Uptodate.com. [cited 13 May 2020]. Available from: https://www.uptodate.com/contents/cystic-fibrosis-clinical-manifestations-and-diagnosis Simon RH. Cystic fibrosis: Overview of the treatment of lung disease [Internet]. Uptodate.com. [cited 13 May 2020]. Available from: https://www.uptodate.com/contents/cystic-fibrosis-overview-of-the-treatment-of-lung-disease Simon RH. Cystic fibrosis: Antibiotic therapy for chronic pulmonary infection [Internet]. Uptodate.com. [cited 13 May 2020]. Available from: https://www.uptodate.com/contents/cystic-fibrosis-antibiotic-therapy-for-chronic-pulmonary-infection Simon RH. Cystic fibrosis: Treatment of acute pulmonary exacerbations [Internet]. Uptodate.com. [cited 13 May 2020]. Available from: https://www.uptodate.com/contents/cystic-fibrosis-treatment-of-acute-pulmonary-exacerbations Responsável Melina Assunção Gomes de Araújo, acadêmica do 9º período da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). E-mail: melinaraujoo[arroba]gmail.com Orientadora Dra. Ericka Viana Machado Carellos, infectologista pediátrica e professora adjunta do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG. E-mail: ericka.carellos[arroba]gmail.com Revisores Letícia de Melo Elias, Mateus Nardelli, Gabriella Shiomatsu, Renata Aguiar, Larissa Rezende, Prof. José Nelson Mendes Vieira, Prof. Júlio Guerra Domingues.QUESTÃO DE PROVA (Residência Médica / Distrito Federal / 2009) Bronquiectasia é uma doença pulmonar crônica ainda prevalente nos países pobres e com potencial para prejudicar significativamente a qualidade de vida dos acometidos por esse mal. Acerca desse problema clínico, assinale a opção correta. A grande maioria dos casos em países pobres tem como causa doenças congênitas. O diagnóstico de bronquiectasia cilíndrica frequentemente indica a presença de doença infecciosa como causa. Hemoptise é o sinal respiratório mais encontrado nessa condição clínica. Broncoscopia tem acentuado valor para o diagnóstico direto das lesões associados à bronquiectasia. A presença de Pseudomonas aeruginosa está associada com maior produção de escarro, maior frequência de internações e maior extensão das bronquiectasias. Time is Up! Time's up