Caso 394 Enunciado Mulher, 66 anos, relata dor abdominal difusa, astenia, febre recorrente, dispneia e tosse seca há 3 semanas. Fez uso de amoxicilina por 7 dias, sem melhora. Faz tratamento com adalimumabe para doença de Crohn. Contato com colega de trabalho com tuberculose há 5 anos, mas prova tuberculínica do ano anterior mostrou-se negativa. Ao exame: 38,2ºC, SpO2 85%, FR 24 irpm, ictérica, ausculta pulmonar normal, fígado palpável a 7 cm do RCD. Solicitadas radiografias do tórax (imagens 1 e 2). Baciloscopia de escarro foi negativa para BAAR e o teste rápido molecular foi positivo para M. tuberculosis. Imagem 1: Radiografia do tórax, incidência posteroanterior. Imagem 2: Radiografia do tórax, em perfil. Pergunta Com base na história clínica e no exame apresentado, qual é a hipótese diagnóstica mais provável? Tuberculose pós-primária Micobacteriose não-tuberculosa Tuberculose miliar Pneumonia por germes atípicos Pergunta: Com base na história clínica e no exame apresentado, qual é a hipótese diagnóstica mais provável?a) Tuberculose pulmonar pós-primáriab) Micobacteriose não-tuberculosac) Tuberculose miliard) Pneumonia por germes atípicosAnálise das Imagens Imagem 1: Radiografia do tórax, incidência posteroanterior. Padrão micronodular difuso bilateral. Os micronódulos têm distribuição aleatória, com diâmetros máximos de 3 mm. Recessos costofrênicos laterais parcialmente obliterados (círculos vermelhos). Aorta alongada e com ectasia - dolicoectasia (setas vermelha e azul). Escoliose toracolombar destroconvexa. Imagem 2: Radiografia do tórax em perfil. Presença de micronódulos pulmonares esparsos. Seios costofrênicos posteriores esquerdo (seta amarela) e direito (seta azul) obliterados. Redução da altura da porção anterior de vértebra torácica inferior - colapso parcial (seta vermelha). Diagnóstico A tuberculose miliar é a forma clínica causada pela disseminação hematogênica do M. tuberculosis, levando a acometimento sistêmico, geralmente em imunossuprimidos, e apresenta sintomas respiratórios e manifestações multiorgânicas, como icterícia, hepatoesplenomegalia, pancitopenia, alteração de consciência e meningismo. À radiografia do tórax, observa-se padrão de infiltrado micronodular difuso com distribuição randômica. Tuberculose (TB) pulmonar pós-primária deve ser pesquisada na presença de tosse por três ou mais semanas, por meio de radiografias de tórax e exame do escarro por baciloscopia ou teste rápido molecular para M. tuberculosis (TRM-MT – que apresenta maior sensibilidade). Pode ter diversas apresentações às radiografias do tórax, que incluem padrões alveolares, intersticiais e/ou escavações. No adulto, a prova tuberculínica está indicada na infecção latente e pode ser falso-negativa em imunossuprimidos. Visite os casos 199 e 304 para mais informações. As micobacterioses não-tuberculosas têm apresentação semelhante à TB pulmonar e a baciloscopia do escarro revela BAAR por não diferenciar as micobactérias. Geralmente são tratadas como TB pulmonar e, quando a resposta ao tratamento é inadequada, outras micobacterioses devem ser consideradas. Entretanto, o TRM-MT positivo permite descartar essa hipótese, pois apresenta especificidade próxima de 100% para M. tuberculosis. Pneumonia por germes atípicos é considerada em infecções de trato respiratório inferior que não respondem bem à antibioticoterapia padrão. Geralmente são quadros clínicos arrastados e fazem diagnóstico diferencial com TB pulmonar e infecções fúngicas. O TRM-MT positivo e o acometimento sistêmico afastam essa hipótese. Discussão TB miliar é a apresentação da infecção pelo M. tuberculosis causada por sua maciça disseminação linfo-hematogênica a partir de um foco primário ou reativação de um foco latente. Os órgãos mais afetados são os pulmões, fígado, baço, medula óssea e sistema nervoso central. Os dados epidemiológicos da TB miliar são incertos, uma vez que muitos casos notificados são, na verdade, a forma TB extrapulmonar ou de pulmonar associada à extrapulmonar. Sabe-se que pacientes imunocomprometidos apresentam maior incidência da doença, como em situações de coinfecção pelo HIV, quimioterapia e uso de imunossupressores, como no caso apresentado. A manifestação clínica é geralmente subaguda ou crônica, semelhante à da TB pulmonar, mas ao exame físico pode haver hepatomegalia e alterações neurológicas. São relatados também sintomas gastrointestinais, cefaleia, ascite e icterícia. Raros casos se manifestam agudamente com falência orgânica multissistêmica, choque séptico ou síndrome do desconforto respiratório agudo. É possível identificar o agente por meio de bacterioscopia, TRM-MT ou cultura para micobactérias em escarro ou líquidos ascítico, pleural ou pericárdico. Hemocultura para micobactérias também pode ser útil. Porém, procedimento preferencial é a biópsia de órgão-alvo. O TRM não está validado para espécimes extrapulmonares, possuindo alta especificidade, mas sensibilidade incerta. Outras alterações laboratoriais podem estar presentes, mas são inespecíficas (tabela 1). Tabela 1. Possíveis achados laboratoriais em pacientes com tuberculose miliar Achados hematológicos Achados hepáticos Outros Anemia Fosfatase alcalina elevada Aumento da velocidade de hemossedimentação (VHS) Leucopenia Elevação de transaminases Piúria estéril Leucocitose ou desvio à esquerda Hiperbilirrubinemia Hiponatremia Trombocitopenia Hipoxemia (pO2 <60) Trombocitose Fonte: autoral. Não há achados radiológicos específicos de TB miliar. A radiografia de tórax pode evidenciar infiltrado micronodular difuso e uniforme; a tomografia computadorizada de alta resolução (TCAR) do tórax evidencia numerosos nódulos pulmonares (2-3 mm) difusamente distribuídos (Imagem 3) e possíveis linfadenomegalias (Imagem 4) e lesões extrapulmonares, como nódulos hepáticos e esplênicos. Imagens típicas de TB miliar podem ser consultadas nos links a seguir para TCAR e radiografia de tórax. O tratamento é o mesmo da TB pulmonar, com RHZE (rifampicina, isoniazida, pirazinamida e etambutol), podendo ser mais prolongado em crianças, imunocomprometidos e quando há acometimento do sistema nervoso central ou osteoarticular. Tomografia computadorizada de alta resolução do tórax da paciente do caso apresentado, janela pulmonar. Padrão micronodular difuso, com micronódulos bilaterais de distribuição aleatória, associado a derrame pleural laminar bilateral (marcado em vermelho). Imagens 4A e 4B: TCAR do tórax, janela de mediastino, plano axial (A - nivel subcarinal) e reconstrução coronal (B). Presença de linfonodos mediastinais de dimensões aumentadas, os maiores em sítio hilar (seta vermelha) e paratraqueal inferior (seta azul), ambos à direita. Aspectos Relevantes Tuberculose pulmonar deve ser pesquisada em paciente sintomático respiratório por meio de teste bacteriológico juntamente com teste rápido molecular para TB, assim como com as radiografias de tórax; Baciloscopia de escarro é menos sensível que o teste rápido molecular para detecção de M. tuberculosis; Tuberculose miliar é a forma clínica resultante da disseminação hematogênica, que ocorre mais frequentemente em imunossuprimidos e manifesta-se com sintomas respiratórios e sistêmicos; O padrão da tuberculose miliar na radiografia de tórax não é específico e se apresenta com infiltrado intersticial micronodular difuso; A tomografia computadorizada de alta resolução na tuberculose miliar pode apresentar também, além de micronódulos pulmonares, acometimento do fígado e baço. Referências Bibliográficas Brasil, Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Manual de recomendações para o controle da tuberculose no Brasil. Brasília: Ministério da Saúde, 2019. 364p. Sharma SK, Mohan A, Sharma A, Mitra DK. Miliary tuberculosis: new insights into an old disease. Lancet Infect Dis. 2005;5(7):415-30. Keane J, Gershon S, Wise RP, Mirabile-Levens E, Kasznica J, Schwieterman WD, et al. Tuberculosis associated with infliximab, a tumor necrosis factor alpha-neutralizing agent. N Engl J Med. 2001;345(15):1098-1104 Dixon WG, Hyrich KL, Watson KD, Lunt M, Galloway J, Ustianowski, et al. Drug-specific risk of tuberculosis in patients with rheumatoid arthritis treated with anti-TNF therapy: results from the British Society fot Rheumatology Biologics Register (BSRBR). Ann Rheum Dis. 2010;69(3):522-528 Bernardo J, von Reyn CF, Baron EL. Epidemiology and pathology of miliary and extrapulmonary tuberculosis. UpToDate. Acessado em: 25/05/2020, disponível em: https://www.uptodate.com/contents/epidemiology-and-pathology-of-miliary-and-extrapulmonary-tuberculosis?search=miliary%20tuberculosis&source=search_result&selectedTitle=2~45&usage_type=default&display_rank=2. Bernardo J, von Reyn CF, Baron EL. Clinical manifestations, diagnosis, and treatment of miliary tuberculosis. UpToDate. Acessado em: 25/05/2020. disponível em: https://www.uptodate.com/contents/clinical-manifestations-diagnosis-and-treatment-of-miliary-tuberculosis?search=miliary%20tuberculosis&source=search_result&selectedTitle=1~45&usage_type=default&display_rank=1 ResponsávelMateus Jorge NardelliAcadêmico do 10º período de Medicina da Universidade Federal de Minas Geraismateus.nardelli[arroba]gmail.comOrientadoresMateus Rodrigues WestinMédico Infectologista e Professor Adjunto do Departamento de Clínica Médica da FM-UFMGmateuswestin[arroba]gmail.comRevisoresMariana Mestriner, Melina Araújo, Letícia de Melo, André Luís Drumond, Rafael Arantes, Prof. José Nelson Mendes Vieira, Prof. Júlio Guerra Domingues.AgradecimentoAos colegas André Marzano, Fernanda Ribeiro, Gustavo Soares e Iago Almeida pela colaboração.Questão de prova[Secretaria Municipal de Saúde de São José dos Pinhais - PR (Acesso Direto 1)] O diagnóstico da Tuberculose Miliar (TBM) pode ser sugerido pela TC de tórax e confirmado por biópsias. Das opções abaixo citadas, qual possui o maior rendimento para o diagnóstico da TBM? Biópsia transbrônquica Biópsia pleural Biópsia da medula óssea Biópsia de linfonodos brônquicos Biópsia brônquica Time's up